O capim se dobra [Pensamento]

Estou lendo uma biografia, e vou publicar em breve aqui no blog a resenha. Nas primeiras páginas o escritor fala da infância do biografado. Imediatamente me coloquei no lugar dele. Fiquei viajando. Digo, minha infância foi maravilhosa.

Dos meus 6 aos 12 anos moramos numa chácara, propriedade do meu avô, já falecido. O convívio com tudo aquilo era incrível. Várias árvores, animais, campos abertos e muita grama. O brincar era garantido. Meu avô era doido com grama e seus pés de manga, mais doido ainda com ordem e organização. Pessoa perfeccionista até demais. Gostava de tudo no lugar, sempre limpo e arrumado.

Algo ainda muito fixo no meu pensamento não quer sair, tenho que escrever. Parece um gesto pequeno, porém acordar com o cheiro do orvalho pela manhã é único. Ele vai direto para o centro do pensamento. Eu acordava e ficava sentado olhando para o famoso gramado do meu avô e via como o reflexo da luz tocava no orvalho e refletia na grama. Eu falava para minha mãe: “Olha, parece que a grama está branca!”.

Nem tudo era só alegria. A chácara estava localizada no meio do cerrado. Ao lado da casa terrenos enormes vazios. Muito cupinzeiro, casas de formigas voadoras, todo final de tarde eram atraídas pela luz da casa. Tínhamos que fechar tudo 17h, porque formigas voadoras invadiam tudo. Alguns dias não conseguíamos respirar de tanto inseto. Terrível!

A época está localizada nos anos 80. Os funcionários que cuidavam da chácara eram muito humildes. Lembro do Sr. Francisco, já tinha uns 60 anos quando meu avô contratou ele, queria trabalhar de todo jeito. Deu-lhe uma enxada, acostumado com o serviço de jardinagem logo foi ao trabalho. Pessoa simples e trabalhadora. Ele cuidava da enxada como se fosse o bem mais precioso, e era! Todos os dias amolava a ponta.

Em uma das demandas que meu avô passou para ele era abrir um caminho entre a cerca e a plantação de milho. Sim, uma parte pequena. Porém, o mato cresceu. Tinha que tirar, colocar no carrinho de mão e depois no coxo para as vacas comerem. Ritual que tinha que fazer quase de 2 em 2 dias, pois o capim crescia rápido. Nessa época eu já era mais crescido e ajudava um pouco. Lembro atentamente de usar calça porque o capim cortava e muito. Sr. Francisco falava, tem que saber pisar, se o capim dobrar ele corta. Me cortei várias vezes, porém eu aprendi a andar. Não sei como explicar, mas meu pé fazia parte da terra. Tudo se encaixava. Até as brincadeiras ficaram melhores. Como se o criador estive me conectado com ela.

Precisamos nos conectar com a terra novamente de alguma forma. Colocar o pé na terra, aprender com os cortes do capim. E verdadeiramente viver o orvalho da vida, respirar sem os insetos.

Em tempos de quarentena real, sentir a infância com grama branca povoa o meu imaginário e faz voltar lá. E você? Do que mais sente saudade?

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3 Comentários

  1. Daniela Rabelo

    é muito incrível seu texto <3

  2. Laudeir Borges

    Adoráveis o texto, a foto. A infância, quase tudo tá lá, né?

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