Sobre empatia, solidariedade e construção
Cavalos Mortos, de Fábio Ferraz
Daniela A. Rabelo

Fiquei pensando no título.
Cavalos mortos.
Cavalos.
Mortos.
(e outros lutos).

O livro do Fábio me trouxe inúmeras inquietações.
Já no título.
Segui no meu ritual de leitura. Depois da capa, contracapa (sim, eu leio um livro pela capa também, e não só ela).

Vi todos os pássaros que sobrevoavam. Me vi dilúvio, me fiz orla.
Consegui me transmutar e vi o real objetivo do livro. Ele existe. Era forte.
Empatia. O livro do Fábio se traduz nisso.

Então pensei imediatamente em outra coisa. Cavalos mortos (e outros lutos) nasceu em mim com o mesmo sentimento do nosso grupo de Vulnerabilidade – é construção e solidariedade. Sim, era sobre empatia.
Sabia que se na capa e contracapa estávamos impressos, ainda viria muito mais.
Próximo passo: parti para as orelhas do livro.

O livro é um signo para mim que representa o mais humano em nós – vejo a cabeça em seu miolo; seu miolo, cabeça.

E orelhas gentis. A direita conversa comigo sobre o autor, a esquerda me estende pílulas sobre o próprio livro. E novamente fiquei inquieta: 13 anos de escrita, parceiros importantes (Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto) e inúmeros sentimentos – medo, angústia, solidão, consolo, e muito mais. Definitivamente o livro traduzia o mais humano em nós.

Das orelhas, fui para a cabeça. O miolo, o centro com 21 poemas fortes e intensos, antecediam cruz e sol em seu título. A luz do nascer; a cruz, signo do morrer. Seria isso? O livro encontraria pontos extremos. Seria fênix? Pontos de luz (eu sabia).

De 1994 a 2006 o autor inicia seu poema com a palavra. E em seu vigésimo primeiro poema brinda a taça com outros lutos. Em sua apresentação (ou tradução) consigo já vê-lo. Ele não se incomoda, se tira, se mostra. E promete mais, muito mais. Suas palavras já nascem sem vestes, elas se gritam, se externam. Pouco a pouco são íntimas, me falam de amor, de gozo, de raiva, tristezas acumuladas. Se arrombam em um pontapé de porta que quebra. E entra.

Li o livro 3 vezes: a primeira, despretensiosa. Na segunda e terceira, desordenei: li do poema 1 ao 21 e fiz o inverso. Vi que existia uma história ali sendo contada. Era envolvente perceber que o poeta Fábio conversa sobre temas profundos, coloca amor, tristeza, nos oferece ele mesmo ao nosso coração. Seus cavalos correram intrépidos, vigorosos, intensos. E me emociono em dizer que chorei, ri, me reconheci em muitos de seus poemas. O livro trata de empatia, solidariedade, lembro. Minhas lágrimas caíram justamente em seu livro. Me fiz lago imenso. Era o encontro de tudo – eu e tantos cavalos e lutos.
Os cavalos/e lutos de Fábio estão em toda a parte. São o todo do mais humano.

São sentimentos em mim.
Em época de Natal, é presente.
Diante dos seus lutos, renascimento.
Palavra-viva(vida) em mim.
Sua poesia é letra necessária. Alfabeto raro e humano.
LIVRO: Cavalos mortos (e outros lutos)
AUTOR: Fábio Ferraz
EDITORA: Livro Pronto – São Paulo (SP)
ANO: 2007
Nota: Escrevo essas palavras em dia de morte de Ferreira Gullar. Fábio, o seu livro mantém Gullar vivo em todos nós.

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